25 abril, 2006

Bourbon Street (I)

Estava ali parado, à chuva, enquanto fitava com especial atenção a entrada do bar. No sua fronte distinguia-se uma certa apreensão. Um transuente não o distinguiria dos demais, mas os mais atentos notariam certamente, naquele seu olhar fixo, que a sua mente não estava ali. "Afinal, talvez não seja boa ideia..." pensava. De súbito, talvez pelo avançado da hora, resolveu-se a avançar, atravessou a rua e dirigiu-se para a porta.

O "Frank's Jazz Saloon" não era propriamente um daqueles bares que dão fama ao French Quarter. No interior, sem que os clientes com isso se importassem, reinava uma certa escuridão, suavizada por algumas lâmpadas estrategicamente posicionadas nos quatro cantos do salão e sobre o balcão. À sua direita estava um balcão largo, todo em madeira, onde um homem o olhava debruçado. Os clientes ocupavam duas ou três mesas redondas à sua esquerda.

Todos os presentes, uns oito homens que ocupavam a maioria das mesas, pareciam fitá-lo com olhares curiosos. Dirigiu-se de imediato para o balcão, enquanto sentia serem-lhe cravadas todas aquelas flechas inquisidoras. O barman era um homem alto e bem constituído, vestia uma camisa branca e fresca e segurava um pano branco num dos braços. Parecia aguardar pacientemente que lhe dirigisse a palavra.

— Procuro Frank Mancuso — disse, dirigindo-se ao empregado. Onde o posso encontrar?

Nisto, o rosto do barman viu o seu tom jocoso ser substituído por um ar de maior reverência.

— E quem devo anunciar?

— Diga-lhe que o Nick Murphy está aqui.

O homem fez um gesto de consentimento e de imediato chamou um jovem que varria o chão do salão. Segredou-lhe algo ao ouvido, ao que Nick distinguiu apenas o nome Mancuso. O rapaz arrumou a vassoura e saiu apressado, desaparecendo por uma porta detrás do balcão.

Passaram-se alguns minutos. Nick bebia café ao balcão, quanto alguém lhe dirigiu a palavra:

— Não se costumam ver forasteiros por aqui. Está cá por prazer ou negócios?

Ele virou-se. Era uma bela e jovem mulher que se encontrava ao seu lado. Quando realmente a olhou, apercebeu-se da sua estonteante beleza. Na sua face, branca como a neve, destacavam-se uns olhos negros, como duas azeitonas envoltas em brilhantes. Enquanto aqueles mesmos olhos o fitavam, Nick, embora dando um ar desinteressado, não pôde deixar de reparar que ela transmitia uma tal vivacidade, que parecia capaz de animar um moribundo.

— Negócios — respondeu Nick, sem mostrar grande empenhamento na conversa.

— Estou ver que não é muito falador — proferiu ela com um encanto que tinha tanto de cativante como de provocador.

Nisto, entrou um homem, vindo de trás do balcão. Vestia umas calças pretas com suspensórios, sobre uma camisa muito branca. O cabelo, esplendidamente penteado, denunciava-lhe o aprumo próprio de homens com responsabilidades. Qualquer observador, por mais desatento que estivesse, demarcaria aquela personagem das que demais se encontravam no estabelecimento. Trazia um sorriso malicioso. Aproximou-se de Nick.

— É você o Murphy? — perguntou.

— Sim, sou eu — respondeu-lhe Nick. E presumo que seja o Sr. Mancuso.

Apesar da presença de Mancuso, a mulher não parava de olhar Nick da mesma forma. Na verdade, o seu rosto evidenciava ainda mais confiança. Ele notava aquela tendência provocatória e perigosa.

— Vivian, não tens nada para fazer? Deixa-nos a sós — ordenou-lhe Frank num tom ríspido.

Ao ouvir o nome, as dúvidas de Nick dissiparam-se. Era Vivian Granger; e não havia ninguém nas redondezas não conhecesse a namorada de Frank Mancuso. Também Nick já ouvira falar dela, bem como das suas célebres aventuras e traições. Mas também era célebre o destino daqueles que com ela se envolviam. Entre as histórias que se contavam, havia um caso amoroso com um empregado de Frank, um francês corpulento de vinte e poucos anos a quem chamavam Bull. Quando Mancuso soube, Bull nem teve tempo para apanhar o steamer. Dizia-se mesmo que o francês jazia algures no fundo do Mississipi.

Ela, habituada a não questionar Frank, levantou-se e foi sentar-se numa das mesas, onde se encontravam outros homens, que por sua vez não tinham tirado o olho de Nick por um segundo só.

— Vamos ao que interessa. — começou Frank num tom de voz sussurrante. Você sabe exactamente o que tem de fazer, correcto?

— Levar o camião até Hattiesburg, para depois o deixar com um tal de Harris — respondeu Nick com a rapidez de um aluno que tem a lição bem estudada.

— Sim, o Harris — consentiu Frank. Muito bem, venha comigo.

Frank conduziu-o até à porta das traseiras e indicou-lhe um automóvel que se encontrava estacionado a uns quinze metros. O homem ao volante chamava-se Brown, e dar-lhe-ia mais indicações. Antes de o deixar, advertiu-o ainda para não confiar em Brown ou Harris. "Não são italianos! Lembre-se disso", disse-lhe com uma naturalidade displicente. Enquanto se dirigia para o carro, Nick distingui Vivian na janela, que mais uma vez o olhava, levantando deliberadamente a cortina, como que quisesse que ele a visse.

(continua)

Nota: Inicio aqui a minha participação neste espaço. Embora tardia, espero obviamente que esta traga frutos aos visitantes e aos autores. Por agora, fica a promessa de actualização para breve com a segunda parte do conto "Bourbon Street".

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